i'm sick of doubt

troubled decree * resident mockery * has claimed thee

sexta-feira

 





apenas te amo com a vulgaridade dos dias
com esse silêncio velho dos aloés à beira do mar
nos senteiros daninhos de erva e de pedra
e de terra 
à vez seca
à vez húmida 
e os seus breves pirilampos e orvalhos

apenas te amo 
com a carne magoada de tantos sonhos anteriores
apenas te amo
vou escurecendo

: trago o chão todo que pisei agarrado a mim
os homens que amei e a ti
os filhos que pari e de ti
mãos brancas como manhãs jovens de
veludo e
o tempo todo 
no tempo todo
agarrado a mim

- apenas te amo com a vulgaridade dos dias

(rente ao corpo
no intervalo pouco de uma vida)

                              ...

inventa-me outro lugar, vá,
-um que seja- 
perpendicular ao nome das coisas
para devolver-me esse espanto redondo que é o amor

um lugar, sim,
curvo
fechado
lento
lentíssimo

como o rasto molhado do silêncio
lambendo os caminhos
os aloés
os dias e na terra
à vez seca
à vez seca
o chão que trago agarrado comigo



(demasiado quotidiano, dizes.
é.)

sábado

 


LET'S DANCE 

do lado mais inclinado do corpo
escorrem as duas mãos mãos. dentro
no concâvo dessas mãos
dois olhos olhos. são esferas perfeitas
em rotação mansa. olhos de abraçar
mãos de beijar. e em cada polpa de cada dedo
de cada mão
segue o meu corpo no encalço do teu.

nada é visível porém. trago
este segredo guardado na boca. mas

se eu disser lugar
e se eu disser corpo mãos olhos
e deixar que tudo me escorra
do lado mais escondido da vida

vou saber de ti

minha terra







( dia quinze. campo alegre )

sexta-feira

 
I’m a spy in the house of love






TUDO O QUE SEI ESTÁ CONTIDO NESTE LIVRO ESCRITO SEM TESTEMUNHO EDIFÍCIO SEM DIMENSÃO CIDADE SUSPENSA NO AR.
Tudo o que não sei é essa imensa cidade suspensa do meu ar. Como é que as coisas são. Tenho estas paredes de pele viva suando em exclamação. Tenho estas veias de ruas desertas como olhos sem gelosias
sem protecção contra a poeira do tempo. O tempo senta-se no parapeito e é um gato em cio. Em gritos de cio. Agonizantes ruas deslizam na minha mente como rios que penetram o próprio coração da cidade. Escorro em palavras tão grossas e frágeis como lágrimas:

esta é a minha tentativa de rasgar o mapa para vida e dar testemunho de mim. Sou? AQUELES QUE ESCREVEM SABEM O PROCESSO. PENSEI NISTO ENQUANTO CUSPIA O CORAÇÃO. i´m sick of doubt. O meu é um ser de camaleão: olhos que rolam por detrás dos próprios olhos. No interior de mim essas perfeitas esferas inventam-se em eternidade: o tempo suspende-se do meu olhar como poeira da vida. Os meus olhos têm na obliquidade da cor mares por inventar e ondas assim antes da própria água. Todas as coisas pairam aí. Por nascer. Com nomes tão improváveis como deus. Ou a face realmente imutável do mundo. O verbo não existe. A realidade é um caldo morno onde me diluo e dissolvo. Dói.
Não sei nadar.


NÃO ME LEMBRO DE TER CHORADO. Não me lembro de ter chorado estes ossos estes músculos esta carne. Não me lembro de ter chorado esta saliva cola. De me ter nascido. Não me lembro da minha mãe. Nem do útero líquido onde provavelmente a minha mãe terá deixado cair estas minhas mãos.
Não há memória do tempo aqui. Onde estou.
É uma ostra: duas abas duras de uma pedra protegendo-se a si mesma.

E uma longa interminável expurgação do corpo em pérola. A doença do ser na doença de ser.


No anverso de mim a noite como reverso. Espelho da água em que me dissolvo. Uma água escura. E os reflexos de mim. Mergulho nessa água como quem procura o baptismo. Para me nomear uma alma. E renovar de maravilhoso a pérola nacarada do meu grito.
Sou muda. E todavia oiço-me a dizer sou muda. Não há nada que pacifique este contínuo fabricar de expurgação. E a água toda do meu sangue em pérola.

Vou parindo-me e morrendo-me. Numa história como todas as histórias. EU ESCREVIA COM PÓLEN E MEL e até podia devolver-te a doçura toda embrulhada no meu corpo. Se pudesse. Mas a vida entranha-se de alvéolos secos. De vazio. E não sobra uma única gota de mel. Não sobra uma única e adivinhada flor. Néctar e mel escorrem somente nos rios da memória. Longe. Tão longe. As palavras fogem-me entre os dedos e desaguam-me em saliva na boca: corpo - tão solitário caçador de sonhos. PENSEI NISTO ENQUANTO CUSPIA O CORAÇÃO não me serve um músculo assim - carne roxa de insónia. Arritmia de gestos. Apneia de ser. A ausência de todas os significados quando o sangue penetra as cavidades da minha loucura e se bombeia como dia. O coração sabe-me na boca a putrefacção. A matéria óssea da alma.
O meu corpo sustenta-se numa única palavra. E essa mesma inventa-se num sabor: agridoce. Sobram-me estes dias de órbitas vazias: olhos em perpétua queda nas mãos. E nem sei que fazer deles agora que a estridência os quebra. Vou-me parindo de sono – vou-me morrendo gasta de palavras e sabor.
Apodrecem-me as palavras. Apodrecem-me as palavras.

O jardim das mulheres- não ver: não colher. O fruto apodrece na árvore. Guarda-o deus e a minha menstruação. O sangue todo contaminado pela ausência. O sangue escorrendo como veludo. Pelas pernas esse fio de veludo em que a minha vida escorre. Não usada.


deus passeia-se no meu corpo. Roça-se em mim com suas vestes longas tão longas. Deixa-me nas mãos a eternidade. E uma pele nua. Nua. E NÃO ENCONTROU NENHUM DEUS COM QUEM REPOUSASSE. Não sei os nomes ó deus não sei os nomes. E estou tão cansada desta dúvida. Desejaria saber E DORMIR UMA VEZ POR ANO LIVRE DE TODAS AS ESTRUTURAS DA SUPERFÍCIE à flor da pele de alguém dormir o que sou. Um dia livre do cansaço de existir. Baptizar-me como apenas mais uma estrela contente por encontrar um espelho onde se nomear. A noite poderia ser um lago calmo e embalar a matéria absurda dos sonhos. Dando-lhe toda a água que necessitam para se diluirem e escorrerem. Como dia. Depois. Já todas sol.
QUANDO TE VI ESCOLHI O MEU CORPO blimunda. Mas não o meu verdadeiro nome. Esse é barro de impossível vontade. De ver por dentro do que se encolhe dentro das coisas. Ter nos olhos mãos que amassem o tempo. Ter nos olhos mãos que acolham o tempo e o embalem. Secar todas as lágrimas com a boca quente. Secar a água toda do corpo. A que está a mais no corpo. A que arrasta consigo o que de mais verdadeiro eu tenho. Blimunda voadora de sete-dias-sete. Blimunda vestida de mim. Algum mim.


Duas asas fechando o dia. E o silêncio todo do mundo pode ser esse olhar com que o vejo por dentro. Como * a dor de todas as ruas vazias* de todos os lugares de mim. escrevo ESTE É O LIVRO QUE TU ESCREVESTE E TU ÉS A MULHER QUE EU SOU. Tu és a mulher que eu para mim sou. Como face e face do mesmo corpo. Olhos de ver. Mãos de tocar. E ao ver tocar. A persistente forma de existir entre ver e tocar. Afogo-me nesta água toda do corpo. Como se fosse urgente afogar-me.
Sou um *afogado luminoso * debatendo-me nas correntes mais subterrâneas de mim. A alma dói-me nos pulmões quando se alagam os alvéolos com essa luz.

É um choro solitário.
Eu sei.


Tão estridentes as vozes em que os dias se inauguram. São os frutos adiados: da noite permanecem como rastos. A minha insanidade tem sombras longas e eu permaneço na obscura face de mim. Entre uma sombra de sombra de sombra há risos. Há risos. E demasiada alegria. Não suporto essa luz contrária - não suporto.

( Desboto-me esborrato-me de tanto real. Carrego-o como fardo.
Agora já é passado. É passado. )

SOU UMA MULHER LOUCA A QUEM AS CASAS PISCAM O OLHO E OFERECEM A HOSPITALIDADE DOS SEUS VENTRES. I’m a spy of love. E o universo todo está contido nestes olhos de ver-me-te. A minha alma range como porta que se abre aí. Caem-me as estrelas no colo e adormecem para sempre. Embaladas pelo vaivém da minha água. E nunca nunca tinha visto tanta estrela adormecida.

Mundos dentro de mundos dentro do meu mundo. Infinitas bocas para me dizer. Da minha própria boca nascem. Palavras como bocas como verbos incendiados.

Estou cansada de mim.



A morte habita em minha casa. O seu beijo é o espião incestuoso.


: e essa é uma estridência que cega - cega.






EU NÃO SOUBE SUPORTAR A PASSAGEM DAS COISAS. TUDO O QUE FLUI, TUDO O QUE PASSA, TUDO O QUE MEXE SUFOCA E ENCHE-ME DE ANGÚSTIA.
E ELA DANÇAVA
e quando ela dançava era o ventre dela que dançava. Uma casa em todo o mundo dançava.
Umbigo em força centrífuga tudo o que nascia era sugado pelo movimento do seu ventre. Mater. Alma mater.



O mundo reinventava-se e deus esquecia-se de o fecundar. Ao dançar ela dançava um pas de deux um lento pas de deux.
Ela dançava como se não houvesse mais ninguém. Mais ninguém. E deus esquecia-se olhava e achava bem.

Pas. De deux. Il y a pas de deux. Il y a pas de dieu. Dieu.
Adieu.







ANAIS NIN e james douglas morisson e al berto e blimunda/marta. Somos todos espiões. Na casa do amor. inabitável.




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